Nesse final de semana rolaram dois sons que merecem algumas considerações. Não pela música - porque ela fala por si -, mas pelo que a cercou.
CEU JACU-PÊSSEGO
No sábado, a convite do Mauro Ribeiro da escola Virtuose, toquei num CEU que fica ao lado da Av. Jacu-Pêssego, Zona Leste de São Paulo. O som foi em comemoração ao primeiro ano de um projeto que tive a felicidade de iniciar junto ao Mauro e que ele chama de "Reduto do Jazz", que consiste em tocar no auditório da Virtuose aos sábados (quem já visitou a agenda do meu site já conhece). Muito bem, toquei como intruso no trio do Thiago Alves (baixo) juntamente com Louise Wooley (piano) e Paulinho Vicente (bateria).
Dentre o modesto número de pessoas que ali compareceu haviam algumas crianças e pré-adolescentes, moradores da vizinhança do CEU. Pra encurtar la história: elas fizeram a maior zona, falaram durante o som todo, e rolou até uma "intimada" de um dos meninos pra cima de um dos seguranças (conforme contaram-me depois)...
O que percebe-se é que no âmbito cultural essas crianças estão realmente órfãs - sem contar o abandono na educação em geral, conforme relatos do pessoal do próprio CEU. Obviamente elas não estão acostumadas a assistir a shows com artistas que simplesmente sobem num palco para tocar música - sem os artifícios para distração do 'showbizz'.
O que chega até elas é o que os pais, os amigos e vizinhos ouvem e assistem. Ou seja, só o que a Indústria Cultural lhes impõe. E o que a mídia faz (o grande arauto dessa Indústria) é algo que faria um ser demoníaco como Hitler ficar parecendo com uma freirinha anêmica, indefesa e sorridente com seu violão numa tarde ensolarada: a grande lavagem cerebral no povo de modo incessante, covarde, cínico, debilitante e, resumindo, violento! As corporações controlam essa "grande mídia" e ela cumpre (sem dó) o nefasto papel que lhe cabe nesse jogo imundíssimo de manipulação e anulação do ser humano. (se restar alguma dúvida, assista a apenas alguns minutos da tv aberta no sábado ou domingo à tarde...)
Mas a cultura pode trazer uma nova consciência a muitas destas crianças, mudando suas vidas. Isso é sabido e provado; basta entrar em contato com quem trabalha em instituições que funcionam em bairros mais esquecidos pelos nossos governos pra saber. Meu amigo Luccas do Instituto Anelo (que fica no Jardim Florence em Campinas), por exemplo, me conta várias histórias de recuperação de indivíduos, simplesmente porque começaram a se dedicar a tocar um instrumento.
E é importante deixar claro que nossa apresentação no CEU Jacu-Pêssego trasncorreu sem maiores problemas. Nenhuma das crianças aprontou a ponto de interromper a apresentação, por exemplo. E é importantíssimo ter crianças assistindo a esse som! Elas são sempre, sempre bem-vindas. Em certos momentos alguns adultos que estavam afim de curtir o som ficaram incomodados na platéia, claro. Era um fuzuê danado, às vezes iniciado por um ou dois meninos que causavam um efeito dominó de agitação que incluía bolinhas de papel sendo jogadas no público, conversas sem fim, alguns gritos, etc. Mas se alguma dessas crianças pôde prestar atenção na música só um pouco - o que realmente aconteceu, de acordo com alguns amigos que observaram -, considero que já está plantada a semente.
Para concluir, é como eu disse ao Mauro e aos amigos presentes no sábado: NÓS PRECISAMOS TOCAR MAIS! É urgente fazê-lo mais e mais, e onde for possível! Precisamos chegar nessas comunidades por mais vezes, fazendo música e levando à frente as coisas boas que ela sempre nos traz.
Fico muitíssimo agradecido quando surge uma oportunidade como essa do CEU Jacu-Pêssego, já disponibilizei-me para fazer outras e, mais importante, acredito muitíssimo no potencial de cada criança que lá estava.
E é uma boa combinação: nós precisamos tocar e eles precisam de mais oportunidades.
ESTAÇÃO JOVEM
Pois bem, e toquei em outro local público no domingo: Estação Jovem em São Caetano. Um evento da Rádio Cidadão do Mundo que juntou vários artistas independentes da região.
Fui a convite do amigo Stefano Moliner, que tocou baixo, juntamente com Jônatas Sansão (bateria) e Anete Ruyz (teclado).
Tocamos nesse local ao ar livre, com uma estrutura legal de som, com entrada franca e várias bandas participando. Vários tipos de música rolaram, o que acho importantíssimo: dar oportunidade para as comunidades saberem da produção dos seus artistas independentes.
Agora, pense como é ridículo constatar que aqui, na cidade de São Paulo, a gente não tenha algo parecido - e, muito menos, algo que tenha continuidade. Só a esmola que é a "Virada da Imundície" - leia a ótima matéria do Luiz Antonio Giron a respeito (link: http://www.readmetro.com/show/en/MetroSaoPaulo/20090506/1/18) - não é suficiente, obviamente...
Parabéns a todos da Estação Jovem e da Rádio Cidadão do Mundo pelo evento. Façamos mais e que ações como essa sirvam de exemplo.
Abraços a todos e boa semana,
Michel
5 comentários:
Excelente! Michel, é inenarrável a experiência de tocar para crianças como essas e dar a oportunidade de ouvirem algo além dos "elatados vencidos da mídia". Prova-se cada vez mais que TODOS podem aproveitar BOA Música! E Muitos NECESSITAM disso... Ainda mais saber que eles se comportam e apreciam melhor que muito público barulhento e empresários sovinas! Pode contar comigo sempre que precisar. Sou totalmente a favor destes projetos. Vamos lá educadores da música, colaborem também! Abraços!
Apoio! Assino embaixo! Insisto!!!
Abração Michel, Parabéns por tudo e por hoje (26/11 - Dia do Músico)
Nota 1000 pra vc caro Michel, sou baixista e acompanho o seu trabalho há pelo menos uns 10 anos, assim como a nata da música instrumental paulistana.
Partilho totalmente de sua opinião quanto ao ínfimo espaço para a música e a arte em nossa cidade. Assisti ao belíssimo show do Hermeto ontem, e a questão que ficou no ar foi justamente AONDE ESTÃO OS ESPAÇOS E OS PALCOS ITINERANTES, AO AR LIVRE?
Espero que façamos um som uma hora dessas, apareça mais lá no CCPC às segundas!
Abração!
Rodrigo Gobbet
rogobbet@gmail.com
Muito obrigado, Rodrigo, MusicMan e Daniel!
Abraços,
Michel
Michel, só tenho elogios a te fazer, acho muito muito legal esse seu jeito de pensar e acreditar nas coisas, e pela positividade!
Tá de parabéns, gostaria que mais pessoas agissem de forma parecida!
Muito orgulho de conhecer alguém que realmente se importa com o amanhã!
Abração e Parabéns
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