Em 1995, fui assistir a um workshop de Joe Zawinul no auditório do Souza Lima. Até então, eu apenas havia ouvido seu nome, mas não conhecia seus trabalhos solo ou junto a Cannonball Adderley, Miles Davis e Weather Report. Eu estava estudando alguns standarts de jazz há uns cinco ou seis anos e já havia, digamos, esbarrado na música desse grande artista, mas não tinha realmente ouvido nada dele até então.
Bem, o que me lembro daquela tarde foi que, logo ao entrar na sala, me deparei com um cara super relax, simpatissíssimo e carismático. O workshop começou e, depois de contar algumas passagens de sua maravilhosa carreira, ele falou um pouco sobre composição. Aí mostrou a coisa na prática, fazendo um tema na hora. Fez a primeira parte, foi indo e chegou num ponto em que disse: "agora não sei pra onde ir... Vou voltar ao começo".
Essa simplicidade foi uma das primeiras coisas que me chamaram a atenção. A outra foi que este foi o primeiro workshop no qual eu não ouvi sequer um nome de escala ou outros termos técnicos. Isso me surpreendeu. A primeira reação foi "esse cara está escondendo o jogo", mas logo saquei o espírito da coisa. Este era um verdadeiro artista: não falava, fazia!
E quando falava era simples, bem-humorado e cheio de paz. Com quando ele contou que, no Weather Report, eles tocavam, tocavam, e depois que uma composição chegava a uma forma "só então eu ia escrever... Mas ao sol!".
Um clima que nunca me esquecerei foi quando ele começou a falar a respeito de Jaco Pastorius e tocou algo absurdamente bonito junto (algo parecido com a primeira música do CD My People). Acho que isso foi perto do final. Foi algo realmente emocionante, tanto é que vários presentes foram às lágrimas e teve gente que até se perdeu na volta pra casa e/ou quase bateu o carro, etc. - me lembro de ter saído um tanto quanto desorientado também.
Só sei que algo divino aconteceu ali naquela sala, e não estou sendo grandioso ou dramático; é algo que sinto e visualizo até hoje. Realmente, a música tinha nesse homem um instrumento sublime.
À noite, fomos assistir ao Zawinul Syndicate no Aeroanta, que estava vazio! Mas lembro que os caras tocaram com uma puta energia e que, no seu único solo no show, o Zawinul quebrou tudo, mesmo.
Hoje, ouço sua música e me lembro de uma coisa que o amigo Giba Pinto (baixista) me disse uma vez, quando conversávamos sobre som: "Eu admiro mesmo o Zawinul; ele faz o som dele e dane-se o que os outros pensam!" Isso quer dizer, ele não teve medo de ir em outra direção e não teve medo de ser ele mesmo. As "patrulhas" sempre existiram e existirão, representadas pelos babacas que dizem "mas isso não é jazz!" ou "isso não é chôro!", etc., etc. Mas Zawinul nos dá o exemplo de confiança, liberdade e excelência musical.
Ele se foi na terça-passada e, quando soube, senti gratidão por podermos ouvir sua obra e por poder ter sentido sua presença. E não fiquei triste, porque ele já mostrava verdadeira Comunhão com a Divindade.
No seu website está escrita a mensagem: "Joe Zawinul was born in Earth time on 07 July 1932 and was born in Eternity time on 11 September, 2007. He, and his music, will continue to inspire!"
Muito obrigado, Sr. Joe Zawinul!
- Michel Leme
2 comentários:
Sabe Michel, depois que presenciei uma aula de harmonia com o Toninho Horta que tive certeza que eu estava totalmento do lado oposto ao que ouvia e lia nas revistas ligadas a música. Sinceramente, não compro mais as revistas. Eu sempre comprei pela entrevista.
Enquanto podemos vamos celebrar a boa música.
Eu li uma entrevista sua e nela você fala da música "Petrucciani". Na faculdade de Letras o professor fez uma análise com os alunos: Petrucciani, Machado de Assis, Van Gohg. Qual deles tinha mais chance de não ser nada na vida...
E veja o que cada um nos deu!
Um grande abraço e tudo de bom!
Valeu, Marcim.
É isso aí, música é pra tocar e ouvir. E esses que você citou são exemplos de vida para todos!
Grande abraço!
Michel
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