quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Comprei uma guitarra. E agora?

Amigos, é com grande prazer que publico mais uma matéria do amigo e grande luthier Sergio Buccini. Desta vez ele nos dá dicas valiosíssimas de cuidados que podemos ter com nossas guitarras (e baixos).
Na foto abaixo, Sergio e eu tocando um rock'n'roll no II Fórum In Concert! Ele está com a minha guitarra velha de guerra e eu com um protótipo dele, que, alías, hipnotizou todos os presentes.

Abraços a todos e bom proveito!
Michel Leme



COMPREI UMA GUITARRA. E AGORA?

Na minha humilde opinião, a compra de um instrumento musical transcende uma atitude de simples consumo porque este faz parte de quem o usa. É por meio do instrumento que o músico expressa suas emoções, sua arte, independendo da roupa que o esteja vestindo. Costumo dizer aos meus clientes que o bom músico não é aquele que apenas toca bem, é fundamentalmente aquele que consegue falar por meio de seu instrumento.
Ter um instrumento implica no compromisso de cuidar do mesmo para que ele nunca se acabe. Embora termos como regulagem e manutenção tenham sido tão indevidamente generalizados atualmente e, infelizmente, até banalizados, são estes serviços que, quando seriamente executados, garantem o bom e correto funcionamento e a longevidade de um instrumento, seja ele qual for e independendo da origem.
Quando estamos psicoadaptados a um sistema somos mais vulneráveis aos apelos externos, deixamos de perceber coisas e detalhes (até obviedades) e aceitamos passivamente fatos e circunstâncias que normalmente não deveríamos aceitar sem reação, ou seja, deixamo-nos envolver. Como resultado, quando buscamos um instrumento, muitas vezes, não escolhemos corretamente.

No inicio da nova era da guitarra, os aclamados músicos que escreveram seus nomes nas páginas da história do Jazz, Blues, Soul e Rock'n'Roll, iam às lojas e ali passavam horas compromissados apenas com o experimento apurado do que seria o melhor instrumento para eles, independendo de imagem, plasticidade, opinião pública ou de qualquer outra coisa. Os instrumentos eram mais orgânicos, esta é a grande verdade.
Ainda que industrializados em escala moderada, tinham a atenção, os cuidados e as mãos preciosas dos mestres artesãos luthiers, que conheciam profundamente sobre o ofício; timbravam a madeira e já sabiam onde o instrumento poderia chegar, mesmo antes de fazê-lo; diferenciavam-se bem de simples montadores de corpos e braços.
Produziam por amor ao oficio da Lutheria e pelo respeito aos músicos que usariam suas obras, nunca pelo atrativo financeiro, pois dinheiro era mera conseqüência, havia uma aura de luz intensa em torno desta idéia e não apenas um interesse comercial. Havia um propósito de vida por trás disto tudo, por isso a coisa deu certo.
(Ver matéria no Blog de Michel Leme "Pra que Luthier? A gente explica." LINK - http://blog.michelleme.com/2008/02/terceira-matria-do-sergio-buccini.html)

Sendo assim, os músicos, preocupados com a música e a liberdade de se expressar artisticamente, não buscavam propriamente um ícone, ou uma grife que lhes conferisse status, mas uma autêntica ferramenta de trabalho que tivesse alma e que traduzisse em timbres fiéis o espírito de suas músicas. As guitarras, baixos e violões, transpiravam a energia, o amor, carinho, força e respeito dos artesãos que os produziam. E depois ficavam marcados pela paixão dos que os usavam. Ninguém jamais adquiria um instrumento pensando no valor de revenda, o objetivo era totalmente voltado para o prazer e satisfação que o instrumento, como ferramenta, pudesse proporcionar.
Cada grande nome tinha seu escudeiro, um luthier de confiança. Esclarecendo o mercado, convém lembrar que existe uma diferença clara e pronunciada entre Luthier e Repairman, tendo a função deste último surgido muito tempo após o reconhecimento do ofício da Lutheria; assunto para uma próxima matéria.

Há vinte anos imaginei um mercado atual de forma muito diferente do que se apresenta.
Mas vamos supor que, procedido ou não desta maneira, você já tenha comprado seu instrumento. E agora? Além de tocar, como devo cuidar? Como já disse em outras oportunidades, "...quem usa, cuida..." Quem pensa em cuidar está no caminho certo. Não resista à idéia de contar com um bom Luthier. Achar que nunca necessitará de um, é como achar que jamais precisará de um médico ou dentista; ou jamais precisará lavar e passar as próprias roupas pelas quais já pagou. É achar que para tocar você não precisa de um ótimo professor!

Escolha com critério, busque indicações seguras e maduras, questione os anos de experiência do profissional que haverá de lhe servir. O professor que lhe dá aulas pode lhe ajudar muito nesta hora também. Feito isto, como conservar no dia-a-dia o instrumento já preparado pelo Luthier?

Aqui vão as dicas:

1) Nunca deixe seu instrumento sobre os efeitos do sol direto, ou em lugares abafados.
O calor úmido, principalmente, é um inimigo implacável (assim como ação de maresia também)! Lugares ventilados e frescos ajudam na iteração do instrumento com o meio ambiente, tornando-o, com o tempo, mais resistente às variações climáticas.
Porta malas de automóvel, "NUNCA".
É o caminho mais rápido para um grande empenamento.

2) Troca de cordas: uma por vez, e afinando; jamais remova todas de uma só vez, pois nem sempre o braço costuma voltar ao ponto de origem. Do contrário, os efeitos são drásticos; possíveis trastejamentos e, em pouco tempo, marcas sobre a coroa dos trastes.

3) Não empreste seu instrumento (a não ser quando inevitável).
A pegada mais forte de um outro usuário pode fazer com que o instrumento trasteje onde antes não trastejava.

4) Acabou de usar, limpe a parte superior e inferior das cordas com um pedaço de malha 100% algodão, confira mais uma vez a afinação e guarde o instrumento.
Flanela, só no corpo ou costado do braço.

5) Jamais use óleos antioxidantes e palha de aço nas cordas ou em qualquer outra parte do instrumento. A hidratação da escala, quando for o caso, é feita pelo profissional, com óleos naturais adequados a cada tipo de madeira, situação e instrumento.

6) Tensor: coisa pra quem tem MUITA experiência mexer. Instrumentos bem preparados conservam-se assim por muito tempo, tornando esta operação rara e quase dispensável no dia-a-dia. Deixe para o profissional. Tensor mal interpretado, braço sofrendo!
Na pior das hipóteses, uma quebra, ou cabeça espanada, pode implicar na desmontagem completa do braço. Este é um serviço meticuloso, de muita responsabilidade técnica.

7) Evite mudanças de afinação durante o período normal de uso, isto não confere estabilidade ao braço do instrumento. Braço estável e bem acertado é sinônimo de conforto e segurança pra quem usa.

8) Evite troca de calibre de cordas, por exemplo; de 0.10 para 0.11, de 0.9 para 0.10, de 0.11 para 0.12 e assim por diante. Mudanças de calibre implicam obrigatoriamente, por questões físicas, em nova regulagem para o instrumento. A inobservância é prejuízo na certa!

9) Recomendo uma regulagem completa, a título de manutenção, a cada quatro meses, uma vez que estamos num país tropical e sujeitos à agressividade de intempéries mais do que qualquer outro clima. Os resultados são incomparáveis. Quem cuida do instrumento respeitando estas pequenas regras, estará sempre longe dos eventuais problemas, usufruindo integralmente (e com toda tranqüilidade) das qualidades de seu instrumento.

Boa sorte!
SERGIO BUCCINI.

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