Em 1988, comecei a trabalhar no Banco Real e, nove meses depois, na Marítima Seguros. Meu pai me disse "Vai trabalhar!" e eu fui. Isso me serviu de grande aprendizado na vida. Hoje, dou muito valor em poder tocar e viver da música. Nessa época, eu trabalhava de dia e fazia cursinho no Anglo à noite. Inclusive, aprendi muito sobre como explicar coisas pra alguém só observando os professores de lá. Eles faziam você aprender, mesmo se você não tivesse o mínimo interesse no assunto - como era o meu caso, eu só pensava em música o tempo todo...
Bem, depois do baque na casa do Emílio, em 1989 (ver Influências - parte II), tentei começar a fazer aulas pra aprender acordes que eu nem desconfiava como fazer, poder solar sobre esses acordes e, enfim, ter mais consciência musical. Decidi procurar o Vardé, e quem o indicou foi o Laércio e o Antonio Carlos. A escola do Vardé fica na Vila Formosa, se chama Melody. Fui até lá, conversei com ele e quase comecei! A preguiça estava difícil de ser vencida... (Abração, Vardé!!!)
Me lembro que em 1988, também fiz um teste pra entrar na Oficina Cultural Raul Seixas, que funcionava no Tatuapé. Fui lá e fiz um teste com o Luiz do Monte. Bem, pra começar, o que eu conhecia de mais "jazzístico" na época era Steve Morse...
Me lembro de que fiz o teste e não sabia nem dar nome pros intervalos! Resultado, tomei um mini-sermão do Luiz e fui embora.
Em fins de 1989, através da indicação do meu amigo Luiz Arruda, vulgo Batata, fui ter aulas com o Jonnas Sant'Anna, no bairro de Santana.
Na primeira aula, ele me passou um lance de pentatônicas e me mostrou uma folha com todos os campos harmônicos maiores - que me parecia uma tabela periódica, boiei totalmente...
Com ele toquei o meu primeiro standart, "Footprints" de Wayne Shorter. Eu não conseguia aplicar nada do lance das pentatônicas, mas tocava totalmente de ouvido e tudo ia dando mais ou menos certo, creio eu.
Fui aprendendo outras músicas como "The Chicken" e a aula era uma diversão. Na casa que eu tinha aulas, também conheci amigos músicos como o Omar, o Giba Pinto e o Bira.
Certo dia, mostrei um solo que havia tirado do Mike Stern pro Jonas - ele gostava muito do Mike Stern - e ele, mui amigavelmente, me mandou embora.
Depois disso, o Jonas me liga e diz "Anota aí" e me passou os campos menor harmônico e menor melódico. Essas anotações me ajudaram a entender várias coisas, juntamente com o método do Mozart Mello, que eu tinha xerocado (tudo bem, eu já contei isso pro Mozart).
Em 1989, pouco antes das aulas do Jonas, também comecei a ter aulas de teoria e harmonia com o Tavico, na Aclimação, também indicado pelo Batata. Aprendi as notas na pauta, intervalos, formação de acordes, algumas cadências, etc. O Tavico é uma figura muito querida, espero entrar em contato com ele novamente.
Me lembro que, através do Jonas, conheci o som do Mike Stern, Scott Henderson, John Scofield e Michael Brecker. Eu até tinha alguns discos do Charlie Parker, Miles Davis, Thelonious Monk, Ahmad Jamal, mas eu ainda não absorvia muita coisa. Precisei ouvir o som da década de 80/90 pra depois voltar cronologicamente - o ouro, às vezes, não se revela tão facilmente .
Um dia que me marcou foi quando assistimos a um vídeo do quinteto do Michael Brecker no Free Jazz Festival de 1987, na sala da casa de Santana. O tema era "Suspone", um 'rhythm-changes' do Mike Stern. E me lembro que o solo do Brecker me chocou muito (tenho uma cópia até hoje desse vídeo).
Quando parei de fazer as aulas do Jonas - que duraram apenas alguns meses, em Santana e um pouco na ULM do Brooklin - já havia saído da Marítima Seguros e estava começando a viver o meu sonho de ser músico profissional. Nessa fase, me decidi a esmiuçar os solos que eu considerava mais intrincados. Eu me identificava com aquilo e queria saber do que eram feitas aquelas frases malucas. Só que eu não transcrevia as partes que eram cantáveis, eu só tirava o que eu ouvia e dizia "o que que é isso!!!".
A idéia nunca é imitar, é compreender. Nessa época, eu absorvia o fraseado jazzístico tirando os solos, tocando junto até soar uníssino e, depois, escrevendo. Eu nunca me coloquei na obrigação de tirar um solo inteiro - se fazia isso, era pelo prazer do desafio. Se tinham partes que eu já cantava do solo, pra que escrevê-las?
O primeiro cara que ouvi muito nessa fase foi o Mike Stern. Eu tirava vários solos e temas dele. E, quando eu percebi que estava tocando frases dele demais, comecei a me desviar da influência guitarrística radicalmente. Passei a só ouvir "não-guitarristas", ou seja, saxofonistas, pianistas, trompetistas, baixistas, bateristas, etc.
O primeiro saxofonista que me intrigou foi o Michael Brecker (desde o dia do vídeo) e isso foi importantíssimo pra começar a enxergar a guitarra de uma outra maneira.
Muitos caras falam que "tocam como se a guitarra fosse um sax ou trompete", mas o que mais acontece é o cara falar isso e tocar na frequência (mas sem o mesmo swing) do Pat Metheny, do George Benson ou do John Scofield...
O grau de meticulosidade que encontrei no fraseado de caras como o Brecker me ensinou a estudar de forma mais cuidadosa e abrangente. Comecei a estudar as sobreposições de arpejos e a inverter esses arpejos, como eu saquei que (possivelmente) estes caras estudavam. Fiquei nessa de 1991 a 1996.
Foi uma fase importante pra colocar as coisas básicas no lugar (arpejos, escalas, tocar em todos os tons, etc.), pra me preparar pro que vinha pela frente.
Outra idéia que me ajudou demais (e ajuda até hoje) foi o lance de tocar numa corda só, que o Mick Goodrich passa no método "The Advancing Guitarist". Muito bom, muda totalmente a relação com o instrumento, fica tudo mais musical.
Nunca "matei um método", sempre fui pegando uma coisa aqui e outra ali, em doses homeopáticas. Inclusive, doei quase todos os métodos que eu tinha em casa...
(continua)
4 comentários:
Putz... mais um texto fueda. Entrei aqui por acaso agora, dando uma folga pra um velho livro surrado do Ruy Castro (um ótimo picareta). Michel sabe das coisas mesmo!
Grande Cadinho!
A virtude da Generosidade definitivamente pousou em teu ser.
Agradeço-te muito!
Um grande abraço!!!!!
Michel
Oi Michel gostaria de saber como vc decidiu sair do emprego, como vc percebeu que dava para viver de musica? tenho essa dificuldade gostaria de uns conselhos.
Rodrigo (aluno do Guto)
Obrigado, Rodrigo.
Quando eu estava na seguradora em 1989, comecei a dar aulas nos sábadose e, rapidamente, já estava ganhando a mesma coisa. A partir daí, disse aos meus pais: estou saindo do meu emprego e vou viver o meu sonho de tocar. Eles concordaram, um pouco preocupados por acharem que a profissão de músico é muito instável e tal. Mas, qual emprego é estável hoje em dia?
Acredito que o ideal é fazer o que a gente ama, aí você faz melhor.
Abraço,
Michel
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