domingo, 14 de janeiro de 2007

Michael Brecker


Algumas pessoas me perguntam sobre a experiência de ter tocado com o saxofonista americano Michael Brecker, em julho de 1997. Vou lembrar um pouco:

Bem, em 1997 eu estava tocando com o meu amigo saxofonista David Richards toda terça-feira no Sanja Jazz Bar. O grupo: David, Sandro Haick (baixo), Pepe Rodriguez, Cuca Teixeira e eu. (Até gravamos um CD, mas que acho que ficará na gaveta...)
Fiquei sabendo uns poucos dias antes que iria ter um workshop com o grande saxofonista Michael Brecker no Auditório do Souza Lima. Ele viria ao Brasil pra tocar num festival promovido pela Heinecken e foi acertado um workshop. Ele pediu uma cozinha e o David recomendou o Cuca na bateria e o Sandro no baixo. E ficou acertado assim.

Bem, eu era influenciado pelo Michael Brecker. Era uma época em que eu tirava solos (e trechos de solos) de outros instrumentistas, pra tentar não cair na mesmice do "guitarrista que quer tocar jazz que imita ou o Benson, ou o Scofield, ou o Pat Metheny, ou o Mike Stern". E o cara que eu mais sentia identificação era o Michael Brecker. Só vim a ouvir os mais velhos, mais seriamente (como Coltrane, Shorter, Rollins, etc.), um ano depois.
O primeiro solo dele que ouvi foi num VHS do Jonas Sant'Anna (guitarrista que me deu aulas em alguns meses entre 1989 e 1990), a música era o 'rhythm changes' chamado "Suspone", tema do Mike Stern. Eu ouvi aquilo e fiquei imaginando como seria tocar aquele tipo de fraseado na guitarra... Aí, pirei!
Isso me estimulou a tirar mais e mais coisas de saxofonistas e outros instrumentos que não fosem guitarra, pra sacar do que eram feitas aquelas melodias - então inimagináveis pra mim.
Eu simplesmente comprava tudo que tinha o Brecker tocando, ouvia e depois tirava o que achava mais louco.
Enfim, de 1992 a 1997 foi assim. Isso fez com que eu vislumbrasse coisas maravilhosas na guitarra, foi uma grande abertura mental e espiritual. Tempos depois, parei de tirar frases dos outros e passei a apenas ouvir atentamente, sem querer copiar.
Bem, voltando ao workshop...

A formação do grupo seria um trio: sax, baixo e bateria. O David me disse que o Brecker não queria nenhum instrumento harmônico, porque não queria correr o risco de ter alguém restringindo-o.
Era chegado o dia. Sorrateiramente, montei meu amplificador no palco e deixei minha strato encostada nele. O David combinou que, ao final, eu e ele (David) tocaríamos um blues ou algo do gênero.
Bem, só nessa, já gelei e quase tive um troço. Seria o primeiro gringo de renome internacional com o qual eu teria o prazer de tocar, uma nova experiência pra mim e uma bela 'responsa'! E, o que mais me enlouquecia, é que era justamente o cara que era "a referência" pra mim na época...
Além disso, esse seria um dos primeiros workshops internacionais realizados no Souza Lima, a excitação era geral; a sala estava lotada com mais de 200 pessoas amontoadas no chão.
Logo quando o Michael Brecker chegou, eu fui apresentado a ele e sabia que tocaria no final, vi o David conversando e ele dando o 'ok'.
Mas, para minha surpresa, o Brecker se virou pra mim instantes antes do som, fez uma pausa e disse "Let's play! But... Just a few chords!". Saquei prontamente que ele não queria "mais um guitarrista chato que não sabe ouvir e fica se mostrando no acompanhamento, estragando o som". Compreendo a atitude dele perfeitamente. E é muito importante que eu diga que ele disse isso com uma tremenda educação!
Então, eu disse 'ok' e começamos a tocar "Impressions" de John Coltrane.
Ele fez o primeiro solo e quebrou tudo, arriscando coisas malucas e gerando uma energia que está até agora naquela sala. E quando o solo dele acabou, claro, era a vez do meu!
Bem, tremendo, toquei o que eu podia. Ao final, parecia Gol do Brasil em Copa do Mundo: a sala veio abaixo! Coisa que aconteceu depois, nos solos do Sandro e do Cuca também. Rolou um patriotismo danado...
Como próxima música, nós sugerimos "African Skies" - de autoria do próprio Brecker, que ficou surpreso e feliz por sabermos o tema. Aí, relaxamos! Via-se o sorriso e a alegria do saxofonista.
Depois disso, ele respondeu perguntas e até tocou bateria - muito bem, por sinal. Tocou uns poucos chorus de um blues, mas muito swingado, ao estilo de Elvin Jones. E tudo com tranquilidade e humildade impressionantes - uma verdadeira lição. Ele respondia as perguntas com simplicidade e sinceridade, sem jamais deixar rolar o tom professoral do tipo "sou o dono da verdade" que acontece direto nesse tipo de evento.
Depois, fechamos a tarde com um blues, provavelmente "Tenor Madness", com a participação do David. Foi uma festa, uma festa da música!
Senti que foi um momento pra ficar na história de cada um de nós. Foi uma tarde milagrosa que muitas pessoas até hoje comentam comigo.
Que energia maravilhosa, uma verdadeira bênção!

Ao final, o Brecker veio falar comigo e disse palavras elogiosas, sempre demonstrando uma humildade à toda prova. Eu fui às nuvens! E todos foram às nuvens!
Um músico que influenciou milhares de saxofonistas a partir do final de década de 70, que gravou coisas maravilhosas com grandes lendas da música, ganhador de 11 Grammys, chegou e arregaçou as mangas pra tocar com a gente de igual pra igual, sem frescuras e com uma vontade fantástica! E, de quebra, ainda nos disse palavras de incentivo generosíssimas ao final! Isso é, definitivamente, uma lição de vida que devemos levar à frente.

Hoje, eu soube que, no sábado, dia 13 de janeiro de 2007, o Michael Brecker não resistiu à doença que lhe afligia há uns dois anos e partiu.

Esse homem foi uma das pessoas mais genuinamente humildes que já tive a honra e a felicidade de conhecer. Isso para mim já bastaria pra dedicar-lhe essa simplíssima homenagem.
A lembrança das poucas horas nas quais dividimos o palco faz com que minha alegria seja renovada, e faz com que o estímulo para lutar pela sintonia da Divina Música se multiplique.

Que Deus o abençoe em sua infinita Glória, Sr. Michael Brecker!
Muito obrigado,
Michel

9 comentários:

Anônimo disse...

O mais importante é meditarmos coisas boas pro Michael (até um bom trocadilho não é ;)) e pegar essa "sementinha" que ele semeou e continuarmos ...
Agora sei o pq dos teus solos não serem "chatos e previsíveis" !
E lembre-se : The Creator has a master plan for all of us !

Michel disse...

Valeu, Alexander!
Abração!
Michel

Unknown disse...

Caceta Michel! Essa eu não sabia! Puta história legal!
Eu conheci o Brecker pelo trabalho dele com o Zappa e Steely Dan!
Grande perda!

abração

Michel disse...

Valeu, Bentones!!!!
Um abração,
Michel

Anônimo disse...

olá Michel, boa tarde.
Cara, Michael Brecker é o que chamo de meu professor, gosto muito do som, da aparente humildade, isso por não te-lo conhecido, imagina se tivesse!
Suas ideias, criatividade, e secibilidades nos arranjos me facinam.
Ele é, hoje, minha escola de musica.
É, isso, fico feliz por você ter tocado com ele, e sinto até inveja por isso, to brincando, não é pra tando né, é só vontade de também ter tocado.
Aqui, ficamos assim, aquele abraço.
Boa tarde.

soares breacker disse...

Olá Michel,como vai ??aqui quem esta falando é o Jefferson Soares diretamente do Brasil Rio de Janeiro!!gostei muito do seu comentario e confeço que fiquei um pouco com inveja!!rsrsr...gostaria muito de ter conhecido ele pessoalmente,sou simplismente apaixinado por toas as músicas que ele toca,sou muito fã dele mesmo!!mandarei meu email pra você pra que egente passo trocar informações (soaresbreacker@hotmail.com) me passe o seu email mandando um recado pra mim !!um forte abraço e fica com Deus,naos esquece de mandar um recado porfavor!!

Anônimo disse...

Michel, q puta história linda !!!!
Marcelo Ringel
scrutinizer band

Michel disse...

Obrigado por ler e postar, Marcelo!
Abração, Feliz 2009 e muito som!
Michel

Driko disse...

Porra em Michel, eu já achava demais você ter tocado com ele, agora sabendo que tinha muito mais na história, e a forma como tudo fluiu positivamente, saber que ele era gentil e humilde, demais cara!!!
Parabéns mesmo mano! Tu teve que ter muita coragem e garra pra encarar tal desafio!!

ABração